quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Um povo que dribla

A prefeitura da cidade do Rio de Janeiro colocou grades em algumas calçadas para forçar as pessoas a atravessar na faixa de pedestres. Provavelmente pensando que ter de andar mais 15 ou 20 metros para atravessar pela faixa seja um desperdício de tempo, algumas pessoas simplesmente retiraram as grades. Isso foi assunto de uma reportagem que vi hoje pela manhã. Atravessar uma rua, principalmente as de grande movimento, usando a faixa de pedestres é questão de segurança, é uma maneira de tentar evitar acidentes e prejuízos, tanto para pedestres quanto motoristas. Deixar de fazê-lo é perder um pouco da civilidade, do respeito por si mesmo e pelo outro. 

Esse "atalho" para desviar do cumprimento de leis e normas não está presente somente na atitude dos moradores do Rio de Janeiro. Metrópoles ou pequenas cidades de todo o Brasil convivem com desvios constantes e têm de pagar um preço por isso. Há um custo enorme para a sociedade gerado pelos desvios das leis. Atravessar fora da faixa, não usar as passarelas, cruzar uma rua de carro com o semáforo vermelho, fazer conversão proibida, ultrapassar em local proibido, dirigir embriagado, exceder a velocidade permitida, são "atalhos" que causam acidentes. O resultado sempre costuma ser um tratamento longo e caro em hospitais, um prejuízo para o Estado e para a pessoa, ou o falecimento da vítima (que nem sempre é vítima, mas causador).

A prática de infrações constantes no trânsito é apenas uma amostra da mentalidade do brasileiro. Ele prefere quase sempre um desvio, uma vantagem, a ter de fazer o que está prescrito. O brasileiro gosta mesmo é de criar suas próprias leis. Cada indivíduo deste país, que deveria ser um cidadão (aquele que vive em um um Estado, gozando de seus direitos civis e políticos), requer para si o direito de legislar. Em certo sentido, isso é até louvável. O filósofo grego Aristóteles afirmou que "cidadão é aquele que participa dos poderes do Estado". No entanto o brasileiro costuma legislar somente em causa própria. Leis que tragam mais segurança ao trânsito são teoricamente boas, desde que não o faça "perder" 20 segundos para chegar ao seu destino, seja a pé ou motorizado. Desviar verbas públicas é um crime terrível, a não ser que ele lucre algo com isso. Os políticos  são corruptos e enganadores, mas se ele for um deles ou trabalhar para um "legítimo representante do povo", esse conceito cai por terra.

O Brasil é tido sempre como um país em desenvolvimento, a terra do futuro. Essa esperança de dias melhores para o país do verde e amarelo não se concretizará jamais. A menos que o povo que aqui habita mude seus conceitos e práticas, seremos sempre o país de pessoas que gostam de levar vantagem em tudo. Nossa arte é driblar, no futebol (nem todos, eu sou um perna de pau) e na vida. No último caso, a maioria dos brasileiros tem a ginga de um Neymar. Gostamos de nos gabar por sermos especialistas em dar um jeitinho pra tudo. Afinal, quem nos pega? Que político corrupto vai para a cadeia? Quem, a não ser os otários, perdem pontos na carteira de habilitação? Que habilidade tem o marido para enganar a esposa e vice-versa. Que fantástica percepção temos para molhar a mão de um servidor público, para que ele nos "quebre um galho". 

A verdade é que, com esses "dribles", com essa ginga, fintamos um país desenvolvido e com cidadania de fato. Deixamos de tê-lo. Preferimos parar na suposta magia do drible a fazer o gol. Os futebolistas do passado, quando o futebol tinha o que se chamava "pontas-de-lança", apelidavam os jogadores dessa função que iam até a linha de fundo, driblavam e fintavam, mas não chegavam ao gol, de ponta-enceradeira. Isso porque eles giravam, giravam e não saiam do lugar. Estes somos nós, como cidadãos brasileiros. Driblamos muito, sem chegar a lugar algum. O que fazemos com frequência é marcar gol contra.

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