domingo, 28 de dezembro de 2014

Não acredite no ano novo

Estamos chegando a mais uma virada de ano e muita gente está na expectativa de que o pozinho de pirlimpimpim faça uma mudança em sua vida como nunca vista antes. Minhas palavras soarão pessimistas, mas eu tenho de dizer: não acredite nisso. A passagem de um ano para o outro não traz algo de mágico que altera a vida das pessoas. Não adiantará nada pular sete ondinhas. Vestir roupas brancas e lingerie amarela (urghhh!) na virada não trarão mais paz e dinheiro a sua vida. Estar em um culto no início do ano não garante que você andará com Deus durante todo o transcorrer dele. Suas promessas de emagrecer, parar de fumar, de tomar refrigerante, exercitar-se mais, abraçar mais e se irritar menos não têm um toque magico por serem feitas próximas de um novo ciclo de 365 dias.

A realidade já é bem conhecida de todos. Que tal você tentar fazer uma lista das promessas de virada de ano que fez e nunca se concretizaram? Vai faltar papel, né? Bem, isso dá a ideia de como gostamos de acreditar em algo sobrenatural acontecendo em nossa vida simplesmente por ser um novo ano acontecendo. Afinal, gostarmos de acreditar que, como diria Roberto Carlos, "daqui pra frente, tudo vai ser diferente". Mas na imensa maioria dos casos isso não ocorre. Talvez nada mude exatamente porque traçamos metas inalcançáveis, difíceis, contando com uma "ajuda sobrenatural" para que tudo se cumpra como desejamos. O problema está em contarmos com o que não deveríamos. Deixamos de encarar a realidade como ela é e não assumimos nossa responsabilidade como seria correto.

Meu objetivo não é deixar você desanimado com o início do ano, mas fazer com que você tenha consciência de que as coisas na vida não se resolvem como num passe de mágica e que temos de agir como podemos para efetivar o que desejamos. Encarar a vida sabendo de suas limitações e dificuldades possibilitará que você dê seus passos no início do ano medidos e calculados. As falhas e decepções poderão ser menores se agirmos assim. Quando sei quem sou e até onde posso chegar, não dou "passos maiores do que as pernas" (lembrou-se do velho ditado?).

Vamos iniciar um novo ano e isso é muito bom. É vida que segue. A vida deve ser sempre celebrada. Mas não se iluda, sua nova dieta será adiada para a próxima segunda-feira, afinal estamos em período de festas. Mas esse adiar pode se repetir até o final do ano. Caso a dieta não seja adiada, poderá perecer fatalmente diante da visão de uma bela picanha acompanhada de muito sorvete como sobremesa. Aquelas caminhadas que você já se dispôs a começar, ou sua frequência a uma academia para manter a forma, poderão ser exterminadas com uma manhã de frio ou um desânimo causado por problemas no trabalho.

É meu amigo e minha amiga, a vida não é fácil e é muito complexa. Cada coisa que acontece em nossa vida influencia outras. Considerando isso e nossa tendência a falhar em nossos propósitos, é muito mais sábio estarmos conscientes de como somos fracos, mas também de que podemos sempre retomar o que estávamos dispostos a fazer. Não temos que nos prender ao início e término dos anos para mudar atitudes e objetivos em nossa vida. Temos que reavaliar constantemente, cair, levantar prosseguir, e fazer o retorno, se necessário. Aí está a riqueza da vida, ela sempre pode ser retomada.

Então, por favor, não se venda à mensagem barata de que o ano seguinte será cheio de paz, alegria e sucesso. Procure se planejar, esforçar-se, busque atingir seus objetivos, mas tendo em mente quem você é e até onde pode de fato chegar. Não acredite no "ano novo, vida nova". Acredite, principalmente, em retomar a vida quando as quedas acontecerem. Viva e deixe viver.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Ânsias de contar

Somos seres que compartilham o que pensam e sentem. Gostamos muito de contar histórias, por exemplo. Passamos a adorar fazer isso quando as histórias revelam algo de nós. Assim como amamos quando elas desvendam algo dos outros, do próximo. Daí temos o sucesso de reality shows, das redes sociais e dos comunicadores instantâneos.

No entanto, esse juntar de nosso desejo de partilhar o que somos com as ferramentas que a tecnologia oferece pode render um emaranhado de confusão. Quando temos amigos e acesso fácil a eles por um smartphone, tudo pode acontecer. Às vezes partilhamos apenas as idiotices cotidianas. Que tal uma selfie do seu lanche da tarde, por exemplo? Mas revelar seu cardápio não deve causar problemas, a não ser que você envie uma foto de uma bela picanha para a lista de amigos que inclui seu cardiologista. Futilidades são futilidades.

Amizades mais próximas, situações emocionais complexas e acesso fácil por internet, ah, isso sim pode gerar problemas. Antes, quanto estávamos envolvidos em uma situação difícil, podíamos procurar um amigo para conversar. No entanto, isso não era instantâneo. Havia tempo para mensurar toda a situação até que você fosse encontrar seu amigo ou falar com ele por telefone. As palavras então sairiam mais medidas, cuidadosas, bem pesadas. Muito do que poderia ser dito em um momento de crise era editado, cortado pelo bom senso, pela razão. Mas hoje corremos o risco de estar em dificuldades e logo clicar no celular para recorrer ao amigo mais próximo. Na agitação do momento, acabamos por falar o que não desejamos. Dizemos coisas movidos pela emoção, muitas vezes, desprovidas de sentido.

Um antigo provérbio diz: "A palavra é prata, o silêncio é ouro". O filósofo Blaise Pascal afirmou: "a maior parte dos problemas do homem decorre de sua incapacidade de ficar calado". Sentenciou o grande Machado de Assis: "Há coisas que melhor se dizem calando". Na Bíblia, a carta de Tiago adverte: "... a língua, pequeno órgão, se gaba de grandes coisas. Vede como uma fagulha põe em brasas tão grande selva". E minha avó já dizia: "Quem fala muito dá bom dia a cavalo". Ironicamente, todos esse sábios conceitos foram verbalizados, ditos.

Falar sobre o que acontece conosco, contar histórias, não é ruim, até certa medida. Tudo o que dizemos e expomos precisa ter equilíbrio. A regra de pensar duas (ou mais) vezes antes de falar ou escrever ainda é muito válida. Um problema também significativo quanto a textos é que parecemos estar sempre tentando ver algo nas entrelinhas. Muitas vezes não existe nada nelas, simplesmente escrevemos o que pensamos. Mas corremos o risco de que insiram coisas nas entrelinhas vazias e sejamos interpretados de modo incorreto.

Expressar o que vai por nosso coração é uma das coisas mais agradáveis de se fazer. Podemos encontrar empatia, auxílio, fazer catarse. Falar, escrever, conversar... Que coisa boa! Mas há riscos. Podemos nos expor demais ou a outra pessoa, e talvez ser mal interpretados. Portanto, faça com moderação.